Diferencie a ordem bipolar e a ordem multipolar (2)?

 

Quando se comparam essas designações elas nos remetem a uma condição geopolítica e estratégica pautadas pela existência de diferentes polos de poder internacional.

Mas podemos discernir que existiram dois sistemas multipolares separados por um bipolar, ainda que o atual sistema multipolar seja distinto do anterior.

Convenciona-se tratar o sistema internacional que existiu até a 1ª Grande Guerra (1914-1918) como um de natureza multipolar pois reunia diferentes potências com expressão internacional tais como: Inglaterra, França, Alemanha e Rússia (na Europa), os Estados Unidos (na América) e o Japão (na Ásia).  A este sistema somavam-se potências de menor expressão ou claramente decadentes, mas não necessariamente descartáveis: Itália, Áustria ou o império Turco Otomano.

Após a 1ª Grande Guerra o desaparecimento de 4 impérios pela derrota militar ou colapso político e social, removeu do cenário internacional a sombra dos interesses alemães, austríacos, turcos e russos.  Em contrapartida, o isolacionismo dos Estados Unidos, o declínio relativo da França e da Inglaterra e o crescimento do poder do império japonês no extremo oriente, embaralhou o jogo internacional.

Com a 2ª Guerra Mundial (1939-45) o sistema internacional foi redefinido para uma nova realidade dominada pela emergência de não novas potências, e sim de DUAS superpotências, o que o definia agora como um sistema bipolar.

Mesmo considerando que pelo menos até 1949 o monopólio nuclear e a imensa dianteira econômica e estratégica dos EUA deixassem na prática aquele país como a ÚNICA superpotência de fato, o tamanho dos recursos, território, população e forças armadas conferiam lugar de destaque para a URSS.  Embora a posse de bombardeiros e bases aéreas permitissem atacar a União Soviética sem retaliação ao seu território, e uma imensa e bem treinada frota de guerra norte-americana fosse capaz de executar desembarques anfíbios em praticamente qualquer parte do litoral soviético, a exaustão da Grande Guerra, o desejo de paz da opinião pública dos EUA e do mundo em geral, aliado ao limitado arsenal nuclear então disponível, deram oportunidade para que Stálin e seus sucessores fossem progressivamente “virando o jogo”.  Ademais, quando em 1949 os soviéticos detonaram seu primeiro artefato nuclear e a China se tornou comunista, ao rompimento do monopólio nuclear agregou-se uma imensa extensão de recursos materiais e humanos ao bloco comunista.

Vivia-se então sob a égide da Guerra Fria onde nenhuma das superpotências tinha uma vantagem clara para iniciar, manter ou vencer uma guerra com a rival – ainda que isso fosse muito mais conveniente desta forma e “congelar” suas respectivas zonas de influência e liderança.

Essa situação de impasse perdurou até 1991 quando a URSS formalmente entrou em colapso despedaçada por uma convergência de crise política, econômica, institucional e ideológica.

Daquela crise terminal emergiu a posição então hegemônica dos Estados Unidos, e que um intelectual chamado Francis Fukuyama denominou de “Fim da História”: a vitória do capitalismo, da democracia liberal e dos interesses ocidentais sobre o comunismo soviético e que se estenderia, em breve, à China.  Nesse contexto o sistema internacional de poder podia então ser definido como um sistema unipolar, de onde os norte-americanos contemplavam o mundo sem competidores.

Esse ponto de vista conveniente pode ser definido como ideológico ao se propor um mundo dominado pelos interesses dos Estados Unidos e de onde surgiram expressões como hiperpotência para designar essa supremacia unipolar.

Hoje esse quadro de supremacia foi já objeto de crítica e adequado a uma realidade onde os Estados Unidos atolaram-se em duas guerras simultâneas no Afeganistão e Iraque (sem uma vitória aparente e conclusiva), todo o Oriente Médio permaneceu complexo como um xadrez tridimensional, a China emergiu como um sucessor para rivalizar com os Estados Unidos embora ainda distante daquilo que representou a URSS, a União Europeia e a economia internacional foram afetadas por uma profunda crise econômica e diferentes alinhamentos geo-estratégicos foram compostos.

Assim, hoje em dia, podemos nos referir a uma nova ordem multipolar; distinta, porém, daquela pré-1945.

Naquela, diferentes interesses das potências internacionais iam compondo-se para ajeitar os interesses conflitantes e nenhuma delas possuía uma vantagem inequívoca sobre as demais.  No período 1945-91, o controle dos maiores arsenais nucleares pelos Estados Unidos e pela união Soviética, deram a estes países a condição de superpotências e redefiniu o cenário internacional em torno dos interesses bipolares de Washington e Moscou.

Mas hoje o novo sistema multipolar compreende uma complexa teia de elementos, já que não há de fato uma hegemonia incontestável em nenhum dos polos de poder.  Outrossim, se outrora a percepção de poder estava relacionada ao poder militar e a capacidade de se impor aos rivais, hoje a noção de poder é mais diversificada.

Os EUA preservam ainda hoje uma liderança econômica e militar invejável, mas a China, devido ao seu crescimento econômico significativo desde o final dos anos 70, tem consolidado uma posição econômica e política – mais que militar – na Ásia em especial, mas no mundo em geral, capaz de interferir nos desígnios dos EUA.  Se as forças armadas chinesas ainda não são páreo para vencer os Estados unidos, os ambiciosos programas de modernização e expansão dos seus meios militares foram capazes de impor aos norte-americanos um realinhamento de suas políticas militares para se contrapor ao crescimento das ambições chinesas no Oriente, tanto para proteger seus interesses como escorar e manter aliados no Pacífico (Coreia do Sul, Austrália, Japão, etc).

A Rússia de hoje vêm recuperando espaço à reboque de seu crescimento econômico.  Isso, aliado ao imenso território, potencial de recursos naturais e grande população, ajudam a conferir um status relevante aquele que detém, ainda hoje, o 2º maior arsenal nuclear do planeta.

A União Europeia ocupou um certo “espaço ao sol” em virtude de sua capacidade econômica.  Ostentando a condição de um dos maiores blocos econômicos do mundo, sua economia e padrão de vida davam a UE uma posição de destaque.  Mas a falta de capacidade de agir de forma coordenada, a posse de forças militares muito inferiores em recursos e tamanho às capacidades militares dos EUA e da Rússia na Europa, e de outras forças alhures, somadas à crise econômica internacional e as recentes fragilidades na Zona do Euro, contribuem para limitar sua importância:  Gigante econômico, mas um anão político.

E diante deste mundo em transformação a formação de variados blocos de interesses mascaram em suas convergências, suas diferenças.  Entidades como o G-20, os chamados BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o IBAS (Índia, Brasil e África do Sul) representam novas formas de agir no cenário internacional de modo a incluir interesses de potências emergentes diante dos das Grandes Potências atuais.

Mas se representam novos blocos de poder, ainda carecem de uma dificuldade fundamental: os diferentes interesses nacionais que muitas vezes são tão significativos como conflitantes.